segunda-feira, 2 de maio de 2016

AÇÃO POPULAR CONTRA O IMPEACHMENT




"EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) JUIZ (A) FEDERAL DA  VARA FEDERAL DE   DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DOCEARÁ.



“As ideias tomam conta, reagem, queimam gente em praça pública”. Oswald de Andrade (1928).








ANTONIO JOSÉ DE SOUSA GOMES, brasileiro, solteiro, Advogado, residente e domiciliado em Sitio Camará S/N, Itapajé/CE, inscrito na OAB/CE sob o nº 23.968, título de eleitor nº062319840710, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no que dispõe o inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, da Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965 e nos demais dispositivos legais atinentes à matéria, ajuizar a presente


AÇÃO POPULAR, com pedido de medida liminar,


em face da CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS, representada por seu Presidente EDUARDO CONSENTINO DA CUNHA, brasileiro,Presidente da Câmara dos Deputados, com endereço na Praça dos Três Poderes – Câmara dos Deputados, gabinete nº 510, anexo IV, CEP 70160-900 – Brasília (DF), pelos fatos e fundamentos que passa a alegar e expor:


I – PRELIMINARMENTE

DA CONDIÇÃO DE CIDADÃO DA PARTE AUTORA

Exige o art. 1º, § 3º, a prova da condição de cidadão, a qual se dará mediante título de eleitor, em anexo.




DO FORO COMPETENTE

A determinação do juízo competente para o processamento da Ação Popular encontra fundamento no artigo 5° da Lei Nº 4.717, 1965, o qual versa que a competência para o julgamento da referida medida é determinada pela origem do ato lesivo a ser anulado, ou seja, do juízo competente de primeiro grau.

Portanto, não é da competência originária do STF conhecer de ações populares, ainda que o réu seja autoridade que tenha na Corte o seu foro por prerrogativa de função para os processos previstos na Constituição, desta feita, embora a impugnação se refira a ato praticado pelo Presidente da Câmara dos Deputados — o juízo competente é o da Justiça Federal de primeira instância.

Ademais, a Constituição Federal de 1988 não inclui, na esfera da competência originária da Suprema Corte, aliás, a orientação jurisprudencial majoritária do Supremo Tribunal Federal, por falta de previsão específica do rol taxativo do artigo 102 da Carta Magna define a Justiça Federal de primeira instância par proceder o curso da Ação Popular.

Assim, tendo em vista que a presente ação se destina a impedir a prática de ato contrário ao ordenamento jurídico pátrio por autoridade federal, a competência será da Justiça Federal de primeira instância.

O STF possui precedente no caso de Ação Popular perante ato da Presidência:

“AÇÃO POPULAR CONTRA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, AJUIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ART. 102 DA MAGNA CARTA. INCOMPETÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO PEDIDO, NA FORMA DO § 1º DO ART. 21 DO RI/STF. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE. INAPLICABILIDADE DO § 2º DO ART. 113 DO CPC. Descabe a declinação da competência, por não ser ambígua a matéria (MS 24.700 AgR, Relator para o acórdão Ministro Marco Aurélio). De outra parte, esta egrégia Corte não pode se transformar em órgão de orientação e consulta das partes, "resolvendo, em caráter definitivo, irreversível, questão sobre a competência de um Juízo ou Tribunal, sem que aquele ou este tenha tido oportunidade de admiti-la ou rejeitá-la" (Embargos de Declaração na Petição 3.326, Relator Ministro Celso de Mello). Agravo regimental desprovido” (Pet. nº 3422/DF-AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 2/12/05).

“Não é da competência originária do STF conhecer de ações populares, ainda que o réu seja autoridade que tenha na Corte o seu foro por prerrogativa de função para os processos previstos na Constituição” (Pet. nº 3152/PA-AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 20/8/04).
A competência para julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, até mesmo do presidente da República, é,via de regra, do juízo competente de primeiro grau. Precedentes. Julgado o feito na primeira instância, se ficar configurado o impedimento de mais da metade dos desembargadores para  apreciar o recurso voluntário ou a remessa obrigatória, ocorrerá a competência do STF, com base na letra n do inciso I, segunda parte, do art. 102 da CF." (AO 859-QO, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-10-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003.)

Ante tais razões, resta claro que à Presidência da Câmara dos Deputados, aplicam-se as mesmas regras, uma vez que os fundamentos são os mesmos.

II – DOS FATOS

Em 17/04/2016, a Câmara dos Deputados, em sessão presidida por EDUARDO CONSENTINO DA CUNHA, votou o pedido de abertura do processo de impeachment em face da Presidenta da República, Dilma Rousseff. O fundamento do pedido versa sobre as chamadas “pedaladas fiscais” do governo em 2015, como é chamada a prática de atrasar repasses a bancos públicos, a fim de cumprir as metas parciais de previsão orçamentária.

Restou determinado que na votação deveria cada Deputado se manifestar em 10 segundos, pelo sim ou pelo não, no entanto, embora os Deputados Federais não precisassem fundamentar seu voto na plenária da votação para o Impeachment da Presidenta Dilma Rousseff ocorrido na data supra, eles o fizeram. “Numa votação que comportava somente o “sim” ou o “não”, todos os Deputados Federais (exceto os sete que se abstiveram) revelaram o motivo de seu voto. Mesmo que não conste no relatório do então Presidente da Câmara dos Deputados, o fato é que foi televisionado e visto simultaneamente em todo o mundo. Maior publicidade ao ato público de votação não poderia haver.

Assim, sendo, o ato politico praticado pelos Deputados Federais, em razão da inexistência de previsão constitucional ou legal, ainda que exemplificativa, que diferencie o ato administrativo estrito do ato político devem respeito à supremacia do interesse público, a titulo de exemplo podemos citar a soberania popular (art. 1º, I), os valores sociais do trabalho (art. 1º, II), a vedação ao preconceito e qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV), a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II), o combate à tortura ou tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), a função social da propriedade (art. 5º, XXIII ), a valorização da pequena propriedade rural (art. 5º, XXVI).

Desta forma, utilizando a “teoria dos motivos determinantes” do ato administrativo, que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato, os votos que não foram fundamentados em razões previstas na Constituição Federal devem ser anulados, afinal não foi positivada a defesa do interesse da própria família em detrimento dos interesses do povo brasileiro, dentre estes, a soberania do voto popular. O ato de um agente político é um ato administrativo e, como tal, deve ter preenchido todos os requisitos legais, dentre eles o de atender ao interesse público, o que restou nítido inexistir na motivação declarada pela maioria dos Deputados a favor do impeachment, conforme se depreende das noticias anexas”[1].

            É de conhecimento público, em razão de informações procedentes de órgãos investigatórios e fartamente noticiadas pela imprensa nacional e internacional, e órgãos oficiais, que o presidente da Câmara dos Deputados é réu, sob acusação de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, por seu suposto envolvimento no esquema de desvio da Petrobrás (operação denominada “Lava-Jato”), conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal em 03 de março de 2016, em virtude de denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República.

“Sobre a teoria da vinculação aos motivos determinantes, esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello:

De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação dos “motivos de fato” falso, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto essa obrigação de enunciá-los, o ato será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam. (MELLO, 2009, p. 398).

Assim, mesmo quando não seja requisito do ato administrativo sua motivação, quando esta for publicizada, a análise de validade do ato administrativo perpassa pela verificação de sua compatibilidade com os requisitos legais, dentre estes, a congruência entre a vontade manifesta e o resultado do ato. Vejamos:

ADMINISTRATIVO. ATO ADMINISTRATIVO. VINCULAÇÃO AOS MOTIVOS DETERMINANTES. INCONGRUÊNCIA. ANÁLISE PELO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. SÚMULA 7/STJ.

1. Os atos discricionários da Administração Pública estão sujeitos ao controle pelo Judiciário quanto à legalidade formal e substancial, cabendo observar que os motivos embasadores dos atos administrativos vinculam a Administração, conferindo-lhes legitimidade e validade.

2. “Consoante a teoria dos motivos determinantes, o administrador vincula-se aos motivos elencados para a prática do ato administrativo. Nesse contexto, há vício de legalidade não apenas quando inexistentes ou inverídicos os motivos suscitados pela administração, mas também quando verificada a falta de congruência entre as razões explicitadas no ato e o resultado nele contido” (MS 15.290/DF, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 26.10.2011, DJe 14.11.2011).


Seguindo a teoria do fato jurídico de Pontes de Miranda, o voto de cada um dos Deputados Federais, por ter entrado no mundo jurídico, é um fato jurídico, independente de sua licitude. De acordo com sua classificação, os atos que decorrem de uma ação humana ou são tidos como atos jurídicos, quando o fato decorrer de uma vontade, ou atos-fatos, quando a vontade não estiver presente”[2], vejamos:


“Se esvaziamos os atos humanos de vontade (= se dela abstraímos = se a pomos entre parênteses), se não a levamos em conta para a juridicização, o actus é um factum, e como tal é que entra no mundo jurídico. É de tratar-se, então, como aqueles fatos que, de ordinário, ou por sua natureza, nada têm com a vontade do homem (MIRANDA, 1999, p. 422).

Importante registrar que os Líderes dos Partidos falaram no início da votação para proceder a orientação das bancadas, nas falas dos líderes, houve explanação quanto a existência ou inexistência de crime de responsabilidade, donde restou claro que a maioria entendeu pela inexistência da configuração da tipificação.

“Assim, conclui-se que, como a vontade humana é inerente ao voto, o voto de um membro do Congresso Nacional é um ato jurídico. Em qualquer ato jurídico, a vontade deve estar em sintonia com a Constituição Federal, sob pena de não atender ao requisito da validade. Pode existir e até produzir efeitos, mas é ilícito, contrário ao Direito, pelo que deverão ser invalidados”[3].

Importante registrar, ainda, que o Mandado de Segurança 34.130, impetrado pela Advocacia Geral da União, teve a apreciação do pedido liminar na data de 14 e abril, e em decisão, restou consignado em ata que o objeto de deliberação pela Câmara estará restrito à denúncia recebida pelo Presidente daquela Casa, ou seja, i) “seis Decretos assinados pela denunciada no exercício financeiro de 2015 em desacordo com a LDO e, portanto, sem autorização do Congresso Nacional” (fl. 17 do documento eletrônico nº 6) e ii) “reiteração da prática das chamadas pedaladas fiscais” (fl. 19 do documento eletrônico nº 6).


III – DO DIREITO

“A verdadeira justiça é o pilar mais firme do bom governo”. George Washington



DO CONCEITO DE ATO LESIVO

Como se sabe, a Ação Popular é o meio constitucional adequado para que qualquer cidadão possa evitar a prática ou pleitear a invalidação de atos administrativos ilegais, imorais e lesivos ao patrimônio público, à moralidade pública, à supremacia do interesse público e outros bens jurídicos tutelados e indicados no texto constitucional.

Quando se trata de ato, é evidente que se trata de ato do poder público em sentido amplo, e não meramente um ato administrativo. De fato, no Estado Democrático está-se sob o comando do Direito:

O Estado deve ser não só criador, mas também servidor da lei. Isso significa que não devem governar os homens: devem governar as leis! "A government of laws and not of men", proclama o art.30 da Constituição de Massachusetts de 1780.O Estado submetido ao próprio direito foi denominado Rechtsstaat (Estado de Direito), segundo o termo cunhado na Alemanha nas primeiras décadas do século XIX. O termo indica a oposição entre o Estado submetido ao direito positivo, no intuito de garantir aos indivíduos seus direitos.

Isso por que não só o domínio do Direito é pleno no nosso modelo constitucional como também a nossa Constituição é programática, estabelecendo padrões de modelos sociais.

La Constituciónya no limita a fijarloslímitesdel poder el Estado frente a libertad civil, y a organizar laarticulación y loslímites de laformación política de lavoluntad y delejerciciodeldominio, sino se convierteenlapositivación jurídica de los ‘valores fundamentalesdelorden de la vida encomún.

Conforme expõe Dworkin:

Minha estratégia será organizada em torno do fato de que, quando os juristas raciocinam ou debatem a respeito de direitos e obrigações jurídicas, particularmente naqueles casos difíceis nos quais nossos problemas com esses conceitos parecem mais agudos, eles recorrem a padrões que não funcionam como regras, mas operam diferentemente, como princípios, políticas e outros tipos de padrões. Argumentarei que o positivismo é um modelo de e para um sistema de regras e que sua noção central de um único teste fundamental para o direito nos força a ignorar os papéis importantes desempenhados pelos padrões que não são regras

Dworkin estabelece uma concepção de que o Direito deve ser lido conforme os melhores padrões morais de uma comunidade, o que leva a uma primazia dos direitos e princípios fundamentais perante a política.

Quer-se fundamentar, aqui, que há um princípio fundamental a ser observado por todos os brasileiros, que é o da supremacia da Constituição e do Direito. Este princípio implica que todo e qualquer ato pode ser revisado pelo Poder Judiciário, mormente quando materialmente implica em violação dos valores fundamentais da República. Por isso que a ação popular não pode ser entendida como uma mera ação de cunho monetário.

A ação popular tem por objeto sim preservar os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, da moralidade pública e do devido processo legal. A violação destes princípios atinge o “patrimônio ético” da Administração Pública do Brasil, conquistada a duras penas.

Além disso, há de se lembrar também um direito fundamental do cidadão que é o direito ao bom governo, à informação e à imparcialidade. Conforme a Carta Iberoamericana de los Derechos y Deberes del Ciudadano em Relacióncon laAdministración Pública, o “direito ao bom governo” compreende

Principio de ética, encuyavirtud todas las personas alservicio de laAdministración pública deberánactuarconrectitud, lealtad y honestidad, promoviéndoselamisión de servicio, laprobidad, la honradez, laintegridad, laimparcialidad, labuenafe, laconfianza mutua, lasolidaridad, latransparencia, ladedicación al trabajoenel marco de los más altos estándaresprofesionales, elrespeto a losciudadanos, la diligencia, laausteridadenel manejo de losfondos y recursos públicos así como laprimacíadelinterés general sobre el particular.

É evidente que não é possível um “direito a um bom governo” sem que o governo do país se paute pela ética, o que inclui a lealdade e a honestidade.

Ainda o Pacto de Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas, internalizada pelo Decreto 592, dispõe:

Artigo 14  1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores.

Retomando o argumento de Dworkin, há de se ter em mente a primazia dos direitos fundamentais (direito a um bom governo ético) e dos princípios (patrimônio ético e moral da Administração Pública). Estes direitos e princípios estão em colisão, no caso concreto, com um argumento de política, que é o de que há de se manter a discricionariedade dos órgãos públicos. Como diz Dworkin:

Os direitos individuais são triunfos políticos que os indivíduos detêm. Os indivíduos têm direitos quando, por alguma razão, um objetivo comum não configura uma justificativa suficiente para negar-lhes aquilo que, enquanto indivíduos, desejam ter ou fazer, ou quando não há uma justificativa suficiente para lhes impor uma pena ou um dano. Sem dúvida, essa caracterização de direito é formal, no sentido de que não indica quais direitos as pessoas têm nem garante que de fato elas tenham algum. Mas não pressupõe que os direitos tenham alguma característica metafísica especial (168 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. e notas de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. XV. Grifos nossos.)

Os direitos fundamentais que os cidadãos possuem, assim como o patrimônio ético do Estado Brasileiro, não podem ceder ante a um argumento de política que é a discricionariedade do ato de fundamentar seu voto em justificativas alheias ao processo de impeachment instalado na Câmara dos Deputados Federais, que tem por escopo a análise de suposto crime de responsabilidade pelas chamadas pedaladas fiscais, estas que sequer se configuram como crime.

Importante lembrar que o STF já se manifestou pela possibilidade de controle de atos que tradicionalmente se classificam como “políticos”. É o caso do julgado abaixo:

"A nomeação dos membros do Tribunal de Contas do Estado  recém-criado não é ato discricionário, mas vinculado a determinados critérios, não só estabelecidos pelo art. 235, III, das disposições gerais, mas também, naquilo que couber,pelo art. 73, § 1º, da CF. Notório saber – Incisos III, art. 235 e III, § 1º, art. 73, CF. Necessidade de um mínimo de pertinência entre as qualidades intelectuais dos nomeados e o ofício a desempenhar. Precedente histórico: parecer de Barbalho e a decisão do Senado. Ação popular. A não observância dos requisitos que vinculam a nomeação, enseja a qualquer do povo sujeitá-la à correção judicial, com a finalidade de desconstituir o ato lesivo à moralidade administrativa." (RE 167.137, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 18-10-1994, Primeira Turma, DJ de 25-11-1994.)

Assim, não resta dúvidas que a fundamentação do voto proferido pelos deputados em contrariedade a soberania popular (art. 1º, I), os valores sociais do trabalho (art. 1º, II), a vedação ao preconceito e qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV), a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II), o combate à tortura ou tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), a função social da propriedade (art. 5º, XXIII ), a valorização da pequena propriedade rural (art. 5º, XXVI), é ato possível de controle judicial, diante da primazia da Constituição perante as políticas.


DO DESVIO DE FINALIDADE DOS VOTOS FAVORÁVEIS AO IMPEACHMENT PELA CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E ALHEIOS AO SUPOSTO CRIME DE RESPONSABILIDADE

Restou claro desvio de finalidade quanto aos votos dos Deputados Federais, principalmente pelo fato de que dentre as orientações das bancadas foram registradas a inexistência de crime de responsabilidade, bem como a votação por motivos alheios ao processo.

Inicialmente cabe-nos analisar a conduta dos líderes dos Partidos com representação na Câmara dos Deputados, analise esta, à luz da Lei nº 4.717, de 1965 (Lei de Ação Popular) onde vemos que, em seu artigo 2º, são definidos os vícios dos atos administrativos, sendo elencados os cinco elementos do ato: competência, objeto, forma, motivo e finalidade. Nos parágrafos do mesmo dispositivo, a lei define os vícios de cada um dos elementos do referido diploma legislativo, litteris:

“Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.”

No direito administrativo, motivo e finalidade são considerados elementos do ato administrativo exatamente para permitir a ampliação do controle do Poder Judiciário sobre os atos da Administração Pública. A finalidade é o resultado do ato administrativo, o efeito mediato que se quer alcançar, tendo como objetivo final o interesse público.

Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, a finalidade de todo ato administrativo é, precisamente, o interesse público; sendo qualquer ato que seja contrário ao interesse público considerado ilegal. Nos legou o doutrinador que “O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade. Esse desvio de conduta dos agentes públicos constitui uma das mais insidiosas modalidades de abuso de poder”.

O desvio de finalidade verifica-se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação moral da Lei, utilizando motivos e meios imorais para a prática do ato administrativo aparentemente legal, mas com finalidades obscuras e contrárias ao interesse público. De acordo com o doutrinador Dirley da Cunha Junior, a finalidade é “um resultado ou bem jurídico que a Administração Pública quer alcançar com a prática do ato, qual seja, o fim público, que nada mais é senão servir ao interesse da coletividade”. (Junior, Dirley da Cunha, Curso de Direito Administrativo, 5° ed., JusPodivm, 2007, pág.85). Assim nos ensina também Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao afirmar que “em sentido amplo, a finalidade sempre corresponde à consecução de um resultado de interesse público. Já sob um sentido restrito, a finalidade é o resultado específico que cada ato deve produzir, conforme definido em lei”. (Pietro, Maria Sylvia Zanella di, Direito Administrativo, 21° ed., São Paulo: Atlas, 2007, pág. 198).

O ato praticado com desvio de finalidade, assim como todo aquele praticado de forma ilícita ou imoral, ou é consumado à sorrelfa, ferindo o princípio da publicidade, ou é camuflado por uma aparente legalidade e expressão do interesse público, apresentando a dificuldade adicional de comprovação de suas reais intenções por revestirem-se de uma aparente legalidade, como é, precisamente, o caso dos atos ora combatidos.

No entendimento de Maria Sylvia Zanella di Pietro, o princípio da supremacia do interesse público, também chamado de princípio da finalidade pública, está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação.

No presente caso, não há dificuldade em caracterizar o desvio da finalidade do ato, uma vez que além do discurso de orientação dos líderes dos partidos, que em alguns casos reconheceram a inexistência do crime de responsabilidade ou tergiversaram do processo em análise, os Deputados votantes externaram suas razões, as quais também se afastaram bastante do teor do processo, além de transparecer votos contrários ao ordenamento constitucional, conforme restará demonstrado.

A sustentação do Direito Administrativo está intimamente ligada à legalidade, supremacia do interesse público e ao princípio da moralidade, consagrado no texto constitucional. De acordo com Hely Lopes Meirelles, “O ato praticado com desvio de finalidade – como todo ato ilícito ou imoral- ou é consumado às escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da legalidade e do interesse público. Diante disso há de ser surpreendido e identificado por indícios e circunstâncias que revelem a distorção do fim legal, substituído habilidosamente por um fim ilegal ou imoral não desejado pelo legislador. A propósito, já decidiu o STF que: “Indícios vários e concordantes são provas”. (Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35º ed., 2009, p. 115).


O deputado do PP Aguinaldo Ribeiro, disse, então, que o partido tinha uma posição única para a questão e que todos os membros votariam pela admissibilidade do processo de impeachment. “Obriga-me a consciência fazer um breve registro. Como todos sabem, fui honrado em 2012 pela indicação do meu partido para fazer parte do primeiro governo da presidente Dilma, na posição de ministro das Cidades. Não é porque vamos dizer sim hoje que podemos dizer não ao ontem. Isso seria oportunismo. Durante todo o tempo que exerci a função de ministro do governo Dilma pude atestar inúmeras qualidades da senhora presidente, que é obstinada, determinada e fiel. Porém, não estamos julgando a pessoa da presidente, estamos julgando politicamente o governo”. [https://youtu.be/gc3W02Hq0e8]

Ora, não tratava-se de julgamento politico do governo, mas julgamento politico de um ato do governo que poderia ser configurado como crime, pelo que deverão ser invalidados todos os votos da legenda.

Em seguida, Aelton Freitas, do PR, disse que o partido decidiu pelo não, mas que não haveria “patrulhamentos por questão de divergência”. Ele afirmou que a legenda não via legalidade no processo e que o ordenamento de impedir a presidente da República sem prova de crime de responsabilidade só é admitido em um regime parlamentarista. “O PR é um partido que tem linha, que tem atitude, que não se esconde da verdade e assume compromisso de papel passado. O direito à divergência está preservado. Mas isso não quer dizer que alguém adotou uma postura de ocasião para dar o voto contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. A decisão foi consignada pela maioria do partido”, explicou. [https://youtu.be/keYD80HId-8]


Resta claro, na situação, que o Partido entendeu pela inexistência do crime de responsabilidade, contudo, votou por outras motivações, o que configura claramente o desvio de finalidade, devendo os votos a favor do prosseguimento do processo de impeachment, serem invalidados.

O deputado Fernando Coelho Filho, do PSB, disse que: “Fomos solidários quando os indicadores econômicos já prenunciavam o momento que estamos vivendo hoje”, mas disse que a presidente perdeu a autoridade e a credibilidade para liderar uma agenda mínima para tirar o país dessa situação. E orientou os deputados da legenda a votarem sim pelo impeachment. [https://youtu.be/_yNf8tfhwWs]

Do mesmo modo, a fundamentação não atende os ditames de validade do ato, uma vez configurado o desvio de finalidade, devendo os votos serem anulados.

Wilson Filho, do PTB, afirmou está julgando o Partido dos Trabalhadores, ignorando o processo em curso, afirmou que “Foi bom ver um partido de esquerda deixar a posição cômoda da crítica para trabalhar pelo destino do nosso país. O PT fez bem ao entrar. E fará um bem ainda maior ao sair. Por maiores que sejam as virtudes na política, elas não podem justificar os erros do grupo que agora de despede”, orientando o partido a votar sim, fugindo também da finalidade e, portanto, os requisitos da nulidade prevista no dispositivo legal reproduzido acima.[< https://youtu.be/oepc25uVPAg>]

Além das orientações, alheias ao processo em si, restou televisionado ao Brasil e o Mundo, condutas descompromissadas, de incitação ao ódio, descriminação, exclusão de melhorias e até apologia ao crime, tudo sob aplausos.

Neste tocante, resta facilmente perceptível a existência de votos “expressamente inconstitucionais”, porque revelam fundamentos contrários ao previsto na CF/88, pois o art. 220 da Constituição Federal permite a livre manifestação do pensamento, “observado o disposto nesta Constituição”, o que no caso não foi observado.

Nesse compasso, votos foram motivados por retrocesso de direitos humanos fundamentais.

O deputado Jair Bolsonaro, do PSC – RJ, ao proferir seu voto, fundamentou nos seguintes termos: “Neste dia de glória para o povo brasileiro, um nome entrará para a história nesta data pela forma como conduziu os trabalhos desta Casa: Parabéns, Presidente Eduardo Cunha! Perderam em 1964. Perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve... Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra a Folha de S.Paulo, pela memória do Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff! Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo, e por Deus acima de todos, o meu voto é sim!”

Ora, é livre a manifestação de pensamento, inclusive comunista, em nosso país. O que não pode ser permitido é um pensamento que desrespeite a dignidade da pessoa humana, como o voto acima proferido (art. 1º, III, CF/88), uma vez que a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II) e o combate à tortura ou tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III) são pilares de nosso Estado Democrático de Direito. Utilizar a memória de um torturador da própria Presidenta no intuito de fazê-la reviver as dores sofridas com a atitude doentil de um militar não é um ato que encontra qualquer respaldo em nosso ordenamento jurídico, sendo no mínimo atentatório contra a moral e incitação ao que a CF/88 expressamente determina o combate.[4]

Ainda sob a motivação por retrocesso de direitos humanos fundamentais, foi o voto do Deputado Éder Mauro – PSD-PA, que assim restou fundamentado: “Sr. Presidente, em nome do meu filho Éder Mauro Filho, de 4 anos, e do Rogério, que, junto com a minha esposa, formamos uma família no Brasil, que tanto esses bandidos querem destruir com propostas de que criança troque de sexo e aprenda sexo nas escolas, com 6 anos de idade, em nome de todo o povo do Estado do Pará, eu voto sim”.

A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser assegurado à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à liberdade, ao respeito, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Assim, além de não ser objeto do impeachment o modo de exercer a educação sexual nas escolas, o valor apresentado viola o art. 205 e art. 227, da CF.
Outros votos foram justificados em representatividade a grupamentos sociais que não encontram proteção constitucional, os quais deverão passar pelo crivo da análise de validade.

O Deputado Hiram Gonçalves, PP – RR, assim fundamentou: “Sr. Presidente, meu querido Brasil, pela minha família; pelos que me fizeram chegar até aqui; pelos médicos do Brasil, para que sejam respeitados pelo próximo governo; pelos maçons do Brasil e pelo bem do povo brasileiro, eu voto sim, Sr. Presidente”.

 “Sr. Presidente, em respeito ao suor e à mão calejada dos meus fumicultores e dos trabalhadores da indústria fumageira do meu Estado, Rio Grande do Sul, eu voto sim. Feliz aniversário, Ana, minha neta!” (Sérgio Moraes –PTB - RS).

“Pela minha filha Manuela que vai nascer, pela minha sobrinha Helena, pelo futuro de todas as crianças e jovens do nosso País, por todos os corretores de seguros do Brasil, em especial por todo o povo goiano, eu voto sim! Viva o Brasil!” (Lucas Vergilio - SD – GO).

“Sr. Presidente, em homenagem ao PPS, que neste processo todo foi altivo, firme e decidido; em homenagem ao grande brasileiro, Presidente nacional, Deputado Roberto Freire; em homenagem ao setor ativo, inovador e gerador de renda, que é o setor agropecuário; e para que venha um governo de reconstrução nacional e que o Brasil vença hoje, voto sim, Sr. Presidente!” (Arnaldo Jardim - PPS - SP)

“Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, eu voto aqui hoje a favor das nossas crianças, da nossa juventude, das nossas famílias, da minha Paraíso, do meu sul de Minas. Voto a favor do agricultor e do café, voto a favor dos mineiros e do Brasil. Mas voto também a favor da Constituição. Voto sim ao impeachment da Presidente Dilma Rousseff!” (Carlos Melles – DEM - MG).

“Por você, João Marcos, por você, Felipe, meus queridos netos, esperando um Brasil melhor, por você, Marília, por você, mamãe, pela família uberabense, o meu voto é sim. Pela Frente Parlamentar da Agropecuária, que representa a produção e o emprego neste País, pelo Brasil, por Minas Gerais e pela querida Uberaba e região, o meu voto, Presidente, é sim, com muita responsabilidade” (Marcos Montes – PSD - MG).

O art. 3º, III, da CF, diz que é objetivo fundamental erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. A Constituição Federal determina a valorização da pequena propriedade rural (art. 5º, XXVI). Os únicos grupamentos que possuem previsão de proteção especial pelo nosso ordenamento jurídico são os índios (art. 231 a 232 da CF) e quilombolas (art. 68 e art. 215, §5º). Os maçons, os donos das indústrias de tabaco, os corretores de seguros do Brasil, os latifundiários de café e os mineradores não encontram respaldo constitucional a ponto de servir de fundamento para retirar uma Presidenta eleita pelo voto popular.[5]

Houve, ainda, flagrante afronta ao Estado Federativo e Separação de Poderes, conforme se depreende dos votos adiante transcritos.

“Sr. Presidente, não existe nada mais democrático do que o que estamos fazendo aqui. Eu, pela segunda vez, estou votando o impeachment de um Presidente, e a Presidente Dilma Rousseff vai receber o impeachment desta Casa porque é incompetente administrativamente e porque não tem relação política com o Congresso Nacional. Nós precisamos recuperar o Brasil, e eu tenho certeza de que com o Michel Temer vamos fazer isso. O meu voto é sim” (Beto Mansur- PRB- SP).

 “Sr. Presidente, eu disse no meu relatório que o povo do meu Estado de Goiás, que o povo brasileiro, que a juventude brasileira merece uma nova chance. Esta é a nova chance! E peço ao povo brasileiro que, através de seu trabalho, respeite, a partir de agora, um Parlamento que sempre defendeu o povo, que é a Câmara dos Deputados da República Federativa do Brasil. Um abraço! Meu voto é sim” (Jovair Arantes-PTB-GO).

Ambos os votos acima são uma violação ao sistema presidencialista, que foi escolhido pelo constituinte originário e referendado pelo plebiscito de 1988 (art. 2º da CF/88, art. 2º, ADCT). Além de se tratar de uma mera opinião (incompetente é adjetivo, e, portanto, não é conduta e, por isso, não pode ser um crime de responsabilidade), dizer que a Presidenta“ não tem relação política com o Congresso Nacional” não é também razão para afastamento, afinal quem tem que gostar do Presidente é o eleitor, e manifestar sua vontade pelos meios constitucionais, cabendo aos políticos do país respeitarem a “harmonia e separação dos poderes” e utilizarem os mecanismos de freios e contrapesos nos limites prescritos na própria Constituição.[6]

 “Sr. Presidente, quero pedir desculpas ao meu querido amigo e grande Governador Flávio Dino, pois eu não posso passar por cima da cassação estranhíssima e injusta do Governador Jackson Lago, a quem presto homenagem neste momento. Não posso passar por cima das perseguições e injustiças contra mim. Não posso passar por cima do bloqueio do Governo Federal ao meu Governo. Assim, Governador, a quem admiro e respeito, desculpe, mas o meu voto é sim” (José Reinaldo- PSB- MA).

Além de ferir o critério da impessoalidade (art. 37, CF/88), é escancaradamente inconstitucional o voto acima porque afirma que o fundamento é uma vontade de se imiscuir do cumprimento de atos administrativos revestidos de presunção de legalidade (art. 5º, II, CF/88).

A votação do impeachment da Presidenta Dilma Roussef na Câmara dos Deputados encontrou, ainda, diversos votos em afronta direta ao voto direto, ao referendo popular e ao plebiscito, conforme se observa adiante.

 “Pelo Brasil; pela cidade de Ituporanga, que me adotou; por Nova Trento, onde eu nasci; por toda Santa Catarina; pela mudança do Estatuto do Desarmamento; pelos nossos agricultores e pelo fim da corrupção no Brasil, eu voto sim” (Rogério Peninha Mendonça-PMDB-SC).

Pelo povo de São Paulo nas ruas, com o espírito dos revolucionários de 1932; em respeito aos 59 milhões de votos contra o Estatuto do Desarmamento, em 2005; pelos militares de 1964, hoje e sempre; pelas polícias e, em nome de Deus e da família brasileira, é sim. E Lula e Dilma na cadeia” (Eduardo Bolsonaro-PSC-SP).

A soberania popular foi desrespeitada, pois o Estatuto do Desarmamento foi referendado pelo povo brasileiro em 23 de outubro de 2005, além de não ser objeto do procedimento de impeachment. Assim, viola art. 1º, I, e art. 14, I, da CF.
            Por novas eleições, porque trocar seis por meia dúzia não resolve, eu me abstenho” (Vinicius Gurgel - PR – AP)
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, povo brasileiro, defendo eleições gerais para a renovação da política do Brasil. De preferência, que nossa população mande de volta para casa todas — sem exceção — essas velhas raposas que estão aí. Voto sim ao impeachment”( Marcelo Belinati - PP - PR).
“Pela Constituição brasileira, contra a corrupção do meu País e também respeitando a diminuição das desigualdades sociais, querendo uma eleição nova para este Brasil, eu tenho que me abster, porque não posso acreditar nem em uma chapa nem na outra. Eu me abstenho” (Gorete Pereira – PR – CE).
Considerando que não há fundamentos constitucionais para a realização de novas eleições, e não estavam votando em chapas, mas no afastamento de uma presidenta por suposto crime de responsabilidade, os votos devem ser anulados, por ferir o art. 14, caput, da CF.
Houve ainda violação à liberdade de criação e manutenção partidárias, bem como a liberdade sindical.

 “Sr. Presidente, como Delegado da Polícia Federal, meu voto vai pelo fim da facção criminosa lulopetista, fim da pelegagem da CUT, fim da CUT e seus marginais. Viva a Lava-Jato, a República de Curitiba! E a minha bandeira nunca será vermelha! Sim, Presidente!”(Fernando Francischini-SD-PR).
O voto acima transcrito além de ofender o princípio federativo (art. 1º, caput), também vai de encontro ao art. 8º, que garante a liberdade sindical.
“Por São Paulo, pelo fim dessa quadrilha que assaltou o País, pelo meu pai, que tanto sofreu na mão do PT, por mais dignidade às pessoas com deficiência, pelo meu povo brasileiro, eu voto sim” (Mara Gabrilli-PSDB-SP-Sim).
“Sr. Presidente, também em nome dos Deputados Edmar Arruda e Valdir Rossoni, pelo povo que foi às ruas do Brasil de verde e amarelo, por um Brasil livre do PT, pelo Paraná, pela República de Curitiba, eu voto sim” (Paulo Martins - PSDB - PR).
O voto acima fere os art. 1º e art. 60, §4º, I, e o art. 17, todos da CF/88, por violar a liberdade de fusão, incorporação e extinção dos partidos políticos, lembrando que a extinção compulsória é possível desde que viole os preceitos previstos nos incisos do próprio artigo constitucional, após o devido processo legal.
“Pelos trabalhadores do Brasil, pelos aposentados, contra os 10 milhões de pessoas que perderam emprego no Governo Dilma, do PT, pelo crescimento do Brasil, por mais emprego e contra a boquinha do PT, pelo fim da boquinha do PT e do PCdoB, eu voto sim, Sr. Presidente” (Paulo Pereira da Silva - SD - SP ).
 “Contra a ladroeira, contra a imposição desse partido de esquerda, que quer transformar este Brasil numa ditadura de esquerda, o meu voto é "sim". Pelo impeachment, pelo Sérgio Moro, pelos evangélicos, pelo meu Brasil, pela minha família, voto sim.” (Takayama - PSC - PR).
“Com a ajuda de Deus, pela minha família, pelo povo brasileiro, pelos evangélicos da Nação toda, pelos meninos do MBL, pelo Vem Pra Rua Brasil — dizendo que o Olavo tem razão, Sr. Presidente, dizendo tchau para essa querida e para o PT, Partido das Trevas —, eu voto sim ao impeachment, Sr. Presidente!” (Pastor Marcos Feliciano PSC –SP).
Resta claro que, num ato formal de votação em um Congresso Nacional, incluir na sua manifestação brincadeiras jocosas à figura feminina de uma Presidenta da República eleita pelo voto popular é algo que ultrapassa o mau gosto para entrar na esfera da inconstitucionalidade, mesmo considerando a liberdade de manifestação de pensamento dos Deputados, afinal, ali não eram meros debates, mas um ato de votação, no entanto, o que se viu foi um atentado à moral, à seriedade e forma do ato e do sexismo.[7]
Seguem, pois, os votos que afrontam o art. 1º, II e III, art. 2º, art. 3º, IV, art. 5º, X, da CF/88:
“Sr. Presidente, na minha curta estrada da política, é a segunda vez que eu deparo com uma situação dessas. É a segunda vez que tenho que votar contra um gestor que cometeu improbidade administrativa. Como na primeira vez, eu voto pelo meu Mato Grosso do Sul. Pela juventude do meu Brasil, eu voto sim. Tchau, querida!” (Elizeu Dionizio, PSDB, MS)
“Sr. Presidente, eu saúdo o Brasil e os brasileiros. Eu saúdo o meu Estado de São Paulo e a minha querida Zona Sul com o voto sim, pelo impedimento da Presidente Dilma Vana Rousseff. Tchau, querida!” (Alexandre Leite - DEM - SP).
“Fui dentro do covil dos bandidos, na faixa da posse do Lula, para safá-lo das mãos do Juiz Moro, dizer o que estava entalado na garganta de milhões e milhões de brasileiros! E agora eu vou repetir: Dilma, você é uma vergonha, vergonha, vergonha! (Major Olímpio - SD - SP).
“Presidenta Dilma, V.Exa. está sentindo o que 10 milhões de brasileiros sentiram quando receberam o aviso prévio de perda dos seus empregos. V.Exa. também está perdendo o seu emprego. Tchau, querida, não precisa voltar! Eu voto sim” (Cabo Sabino - PR - CE).
“Sr. Presidente, em homenagem à minha querida Alegre, na Região do Caparaó, aos 3,5 milhões de capixabas em 78 Municípios, às mais de 50 mil pessoas do movimento Vem Pra Rua que estão na Praça do Papa, e para que nossa ex-Presidenta Dilma tenha férias eternas, eu digo sim, Sr. Presidente.” (Carlos Manato - SD - ES).
“Sr. Presidente, chega de roubalheira no Brasil! Chega de safadeza! Chega de tanta corrupção! Lugar de bandido é na cadeia, não é no Palácio do Governo. Por isso, Sr. Presidente, eu voto sim. Eu voto sim porque não há golpe, há impeachment! Presidente, tchau, querida!” (Laudivio Carvalho - SD - MG).
Importante registrar, que vários votos tiveram fundamentos religiosos ou familiares, certamente para “deixar registrados seus nomes na história”.
Ora, a simples menção a Deus e à família não invalidaria o ato, desde que não os fossem ditos como fundamento (“primeiro agradeço a Deus” é diferente de “pela nação evangélica”, ou “pela minha família”, já que essa é a justificativa, enquanto aquela é simples menção). No entanto, ao informarem estar agindo em nome de sua própria família ou de seus parceiros religiosos, os Deputados Federais desrespeitam a igualdade de liberdade religiosa, já que o Estado deve ser neutro, não podendo figurar “Deus” como fundamento de qualquer ato administrativo, sob pena de ser nulo. Os fundamentos do cristianismo não podem servir de fundamento aos atos públicos, porque estes, impessoais, devem respeitar os fundamentos de todas as religiões (art. 37 e art. 5º, VI, da CF).[8]
Seguem os nomes dos Deputados Federais que se utilizaram desse fundamento para seu voto. Não transcreveremos todos na íntegra porque essas pessoas já foram desnecessariamente mencionadas em demasia.
Importante perceber que também votos “não” estão incluídos, quais sejam: Andres Sanchez         PT       SP e Odorico Monteiro           PROS  CE. O que serve para um, serve para todos.
Seguem nomes dos Deputados que manifestaram o “sim” contaminados pela eiva da ilegalidade por ferir a impessoalidade, igualdade e laicidade do Estado brasileiro:
Ronaldo Nogueira      PTB     RS. Josué Bengston   PTB     PA. Toninho Wandscheer   PROS  PR. Carlos Marun       PMDB MS. Júlia Marinho       PSC    PA. Nilson Pinto    PSDB  PA. Ricardo Barros     PP       PR. Wladimir Costa    SD       PA. Diego Garcia   PHS    PR. Nelson Meurer     PP       PR. Ricardo Barros    PP       PR. Sandro Alex    PSD    PR. Geraldo Resende PSDB  MS. Tereza Cristina    PSB     MS. Arthur Virgílio Bisneto PSDB  AM. Átila Lins  PSD    AM. Conceição Sampaio        PP            AM. Silas Câmara      PRB    AM. Lucio Mosquini    PMDB RO. Nilton Capixaba            PTB     RO. Célio Silveira       PSDB  GO. Daniel Vilela        PMDB GO. Delegado Waldir  PR       GO. Fábio Souza        PSDB  GO. Fábio Souza        PSDB  GO. Alexandre Serfiotis           PMDB RJ. Arolde de Oliveira PSC    RJ. Aureo        SD       RJ.  Cabo Daciolo            PTdoB RJ. Cristiane Brasil     PTB     RJ. Ezequiel Teixeira PTN     RJ. Fernando Jordão        PMDB RJ. Francisco Floriano           DEM    RJ. Roberto Sales            PRB    RJ. Simão Sessim      PP       RJ. Soraya Santos     PMDB RJ. Sóstenes Cavalcante      DEM    RJ. Evair de Melo       PV       ES.  Marcus Vicente   PP       ES.  Heráclito Fortes          PSB     PI. Antonio Imbassahy           PSDB  BA. Jerônimo Goergen          PP. José Otávio Germano     PP       RS. Sérgio Moraes     PTB     RS. Geovania de Sá          PSDB  SC. João Rodrigues   PSD    SC. Jorge Boeira        PP            SC. Jorginho Mello     PR       SC. Marco Tebaldi      PSDB  SC. Delegado Éder Mauro  PSD    PA. Hélio Leite            DEM    PA. Joaquim Passarinho        PSD    PA. Lucas Vergilio SD       GO. Roberto Balestra PP       GO. Thiago Peixoto    PSD    GO. Izalci    PSDB  DF. Laerte Bessa       PR       DF. Ronaldo Fonseca PROS  DF. Flaviano Melo    PMDB AC. Jéssica Sales      PMDB AC. Rocha      PSDB  AC. Carlos Henrique Gaguim           PTN     TO. Professora Dorinha Seabra Rezende     DEM    TO. Nilson Leitão  PSDB  MT. Alex Manente      PPS     SP. Bruna Furlan        PSDB  SP. Duarte Nogueira         PSDB. Capitão Augusto         PR       SP. Carlos Sampaio   PSDB  SP. Celso Russomano -PRB – SP. Dr. Sinval Malheiros PTN     SP. Duarte Nogueira  PSDB            SP. Edinho Araújo      PMDB SP. . Eli Corrêa Filho  DEM    SP. Flavinho   PSB            SP. Floriano Pesaro   PSDB  SP. Gilberto Nascimento        PSC    SP. Goulart            PSD    SP. Herculano Passos           PSD    SP. Jefferson Campos           PSD            SP. Jorge Tadeu Mudalen     DEM    SP. Keiko Ota PSB     SP. Herculano Passos            PSD    SP. Jorge Tadeu Mudalen     DEM    SP. Luiz Lauro Filho   PSB            SP. Mara Gabrilli        PSDB  SP. Marcelo Squassoni          PRB    SP. Marcio Alvino  PR.      Renata Abreu PTN     SP. Ricardo Izar         PP       SP       Sim. Ricardo Tripoli  PSDB  SP. Roberto Alves      PRB    SP. Rodrigo Garcia    DEM    SP. Vinicius Carvalho         PRB    SP. Juscelino Filho     DEM    MA. Victor Mendes     PSD    MA. Ronaldo Martins         PRB    CE. Rodrigo Martins   PSB     PI. Antônio Jácome    PTN            RN. Beto Rosado       PP       RN. Rogério Marinho  PSDB  RN. Dâmina Pereira            PSL     MG. Diego Andrade    PSD    MG. Dimas Fabiano   PP       MG. Eros Biondini           PROS  MG. Fábio Ramalho   PMDB MG. Franklin Lima      PP       MG. Jaime Martins PSD    MG. Leonardo Quintão           PMDB MG. Luiz Fernando Faria            PP       MG.Marcelo Álvaro Antônio   PR       MG. Marcos Montes   PSD    MG. Misael Varella DEM    MG. Raquel Muniz      PSD    MG. Renzo Braz         PP       MG. Rodrigo de Castro      PSDB  MG. Stefano Aguiar    PSD    MG. Tenente Lúcio     PSB            MG. Zé Silva   SD       MG. Elmar Nascimento          DEM    BA. José Carlos Aleluia DEM    BA. Anderson Ferreira           PR       PE. Eduardo da Fonte            PP. Pastor Eurico  PHS    PE. André Moura        PSC    SE. Arthur Lira            PP       AL. Cícero Almeida           PMDB AL. Marx Beltrão         PMDB AL. Pedro Vilela          PSDB            AL.
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A votação, nos moldes em que ocorreu, contrariou ainda, o decidido no Mandado de Segurança 34.130, visto que em questão submetida ao plenário, pelo Presidente, os Ministros presentes autorizaram que fosse consignado em ata que o objeto de deliberação pela Câmara estará restrito à denúncia recebida pelo Presidente daquela Casa (decisão anexa), o que, no entanto, não ocorreu, pois referida denúncia não foi utilizada para fins de fundamentação, sendo diversas justificativas levantadas para fins de opinar pelo encaminhamento do Processo de Impeachment, restando apenas 16 votos justificados pelo suposto crime de responsabilidade.

A conduta dos Deputados Federais cabe ser analisada igualmente sob o princípio da moralidade, que se encontra prevista no art. 37 da Constituição Federal de 88:

“Art. 37 A administração publica direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficácia […].”

Assim, todo e qualquer ato praticado na Administração Pública deverá ser regido pelo princípio da moralidade. Neste entendimento, socorre-nos ainda uma vez o eterno Mestre Hely Lopes Meirelles, que ensina que “o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto.” (Meirelles, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Ed. Medeiros, 2012).

A probidade administrativa está intrinsicamente ligada aos princípios da legalidade e da moralidade administrativa. Pelo principio da legalidade, o administrador deve atuar em conformidade com a lei; pelo principio da moralidade, este mesmo administrador deve atuar com ética e moralidade. É precisamente o que não ocorre com a conduta dos Deputados Federais que tergiversaram do procedimento em votação e aproveitaram o momento para justificar seus votos acerca de um ato que já nasceu ilegal, através de brincadeiras e desrespeitos contra o povo e a Constituição, contrariando seus deveres de ação à luz da razoabilidade e do senso comum, depondo de forma evidente contra o principio da moralidade.

Tal hipótese configura uma clara deturpação das finalidades do ato administrativo, vez que se encontra revestido de aparente legalidade, no entanto, esta já não mais e sustenta, pois se caracteriza como desvio de finalidade, sendo, portanto, nulo, uma vez que praticados contrariando a finalidade legal que justificou a outorga de competência para a prática do ato.

É importante dizer que “não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”. Ocorre que se conhece através de um processo de imersão no mundo, e este mundo resiste a que se diga qualquer coisa sobre ele. Há várias tradições científicas e filosóficas a explicar tal fenômeno. Por exemplo a semiologia, ao estabelecer que os signos são imutáveis individualmente; Wittgenstein ao descrever que aprendemos o significado das coisas através de um processo de erro e acerto em nossa história individual; Habermas e seu conceito de mundo da vida compartilhado e a Hermenêutica e a fusão de horizontes. Afora as citações filosóficas, é importante ressaltar aqui que o mundo linguístico está formado não por uma realidade abstrata, suprasensível ou lógica, está, isto sim, enredada na prática cotidiana. Sabe-se o que significa dia, honestidade, bicicleta, esquadro, pedra, porta, degrau por que se está dentro de uma tradição social de atribuir certos significados a estas palavras ou signos. Alguém olhar para um automóvel e chamá-lo de bicicleta terá pouco sucesso ao tentar se comunicar.

O mesmo vale para o Direito e seus valores. A despeito de certo relativismo sobre o que o Direito significa, as palavras resistem:

É justamente por isso que afirmar que a norma é o produto da interpretação do texto não significa que o intérprete pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”, atribuindo sentidos de forma arbitrária ao texto, como se norma e texto estivessem separados. “Ou seja, a norma – assim entendida – não pode superar o texto; ela não é superior ao texto.” [...]. Se é certo que o ato de interpretar não é filologia, não se limitando à análise de textos (fosse assim, os juristas não seriam necessários: os melhores hermeneutas seriam os professores de português), não é menos certo que não há somente normas [...]          Faz-se necessário “levar o texto a sério”, parafraseando Ronald Dworkin, pois os textos não existem de forma metafísica: o texto é inseparável de seu sentido (i.e., da norma). Textos sempre dizem respeito a algo da facticidade: interpretar um texto é aplicá-lo [...].
Há, pois, limites no processo interpretativo [...]As palavras não dizem aquilo que o jurista quer que elas digam! Interpretar/aplicar um texto não é escrever um texto novo. A Constituição não pode ser apenas um espelho que reflete a vontade e através do qual se pode enxergar tudo aquilo que se deseja (TRIBE; DORF, 2007, p. 3). Ler o texto não pode ser meramente um exercício de concretização de interesses de seus leitores, que usam a linguagem do documento como espelho para refletir suas preferências.

A Constituição e as leis resistem à vontade individual dos intérpretes, posto que só são cognoscíveis em uma prática comunitária. Portanto, para qualquer usuário normal da língua da nossa comunidade, e para qualquer pessoa que esteja interagindo em nossa sociedade, vai entender que sucessivas declarações agressivas de uma autoridade a outra, contínuas ameaças, combinadas com suspeitas de improbidade com elevada carga probatória comprometem a idoneidade de um procedimento tão relevante.

            A Constituição Federal consagra que “todo o Poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (...)” (art. 1º, parágrafo único), sendo, portanto, a soberania popular fundamento do Estado Democrático de Direito. Considerando que a população brasileira definiu através de plebiscito a forma republicana e o sistema de governo presidencialista, todas as violações que atentem contra o mandato de Presidente da República constituem afronta direta à soberania popular e aos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

            Ademais, tem reflexos diretos sobre o mandato de Presidente da República, afetando o âmago do presidencialismo, sistema de governo escolhido democraticamente pelo povo brasileiro no plebiscito de 21 de abril de 1993. É imperioso, portanto, que o procedimento iniciado a partir da denúncia seja conduzido de maneira hígida e conforme aos preceitos constitucionais e legais.

            Como se demonstra ao longo da presente peça, a Câmara dos Deputados, por seus representantes e representada pelo seu Presidente EDUARDO CONSENTINO DA CUNHA, responsável pela condução do procedimento de Impeachment, violaram o ordenamento jurídico pátrio, pelo que deverá o Poder Judiciário realizar o controle e coibir os ilícitos, tornando nula a votação realizada em plenário na data de 17 de abril de 2016.

Ante todos os fatos e fundamentos expostos, cabível a total procedência da presente Ação Popular, com a finalidade de salvaguardar o interesse público e preservar os fundamentos do Estado Democrático de Direito, o processo de Impeachment, ora no Senado, em razão dos vícios cometidos pela Câmara dos Deputados.


IV – DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR


As provas produzidas junto com a presente inicial, bem como os argumentos nela contidos, demonstram a plausibilidade do direito invocado, visto que a autoridade pública demandada, por sua composição parlamentar, praticou uma inequívoca violação aos comandos constitucionais e ao princípio da moralidade administrativa.

O fumus boni iuris pode ser facilmente depreendido dos argumentos já expostos nesta exordial, na medida em que são demonstradas evidentes violações ao ordenamento jurídico e ofensa aos princípios basilares que devem reger a administração pública.

Segue anexa à presente exordial a degravação das declarações dos Deputados Federais, sendo para cada um deles apontado o correspondente artigo constitucional expressamente ou tacitamente violado.

            Presente o fumus boni iuris, patente está também o periculum in mora: a simples admissibilidade e continuação do processo de impeachment da Presidente da República no Senado Federal é capaz de convulsionar ainda mais a situação política do País, acarretando reflexos diretos sobre a economia, a paz social e a Ordem Pública.

            É completamente inadmissível permitir que todo um país esteja à mercê de motivações pessoais de parlamentares que se distanciam do interesse público e da vontade de seus representados,em descompromisso com o interesse público e não hesitam em abusar de sua posição e capacidade de voto para satisfazer seus – vis – interesses próprios.



V – DOS PEDIDOS

Em face dos fatos e fundamentos apresentados, requer o Autor:

a) seja concedida a medida liminar pleiteada, com a antecipação da tutela pretendida, para suspender os efeitos do ato administrativo de votação de admissibilidade do processo de Impeachment em face da Presidente Dilma Vana Roussef por desvio de finalidade, com o consequente sobrestamento do processo no Senado Federal, até o julgamento do mérito desta ação popular;
 b) seja determinado que o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, se abstenha de receber, e/ou dar continuidade a Processo de Impeachment até o julgamento do mérito desta ação popular;
c) a citação do demandado, no endereço acima indicado, para que, querendo, conteste a presente ação popular, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato, de acordo com o disposto pelo artigo 344 do novo Código de Processo Civil;

d) a citação da União, na pessoa de seu representante legal, especialmente para que, nos termos § 3º do art. 6º da Lei 4.717, de 1965, exerça sua faculdade de atuar ao lado do autor na defesa do interesse público;

e) a atuação do Ministério Público Federal como custos legis;

f) a produção de todas as provas em Direito admitidas, quais sejam, prova documental, testemunhal, depoimento pessoal, pericial e as demais admitidas para elucidação dos fatos alegados, na fase própria, registrando, desde logo, a autenticidade dos documentos e anexos acostados a esta exordial;

g) a expressa manifestação acerca da validade, vigência, constitucionalidade e aplicabilidade ao caso concreto dos arts. 1ºe 2º da Lei 4.717 para fins de prequestionamento.

h) a expressa manifestação acerca da validade, vigência, convencionalidade e aplicabilidade dos art. 1º 2 2º da Lei 4717 perante o  art. 14 do Pacto de Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas, internalizada pelo Decreto 592 de 1992.

i) a procedência da presente ação, por infringência aos arts. 2º da Lei nº 4.717, de 1965, e do art. 218, § 1º do Regimento Interno da Câmara, bem como do artigo 37 da Constituição Federal, para que sejam anulados todos os atos praticados pelos Deputados Federais na data de 17 de janeiro de 2016, que culminou na admissibilidade do Processo de Impeachment da Presidenta da República Dilma VanaRoussef.

j) Caso não entenda pela nulidade total do ato, que sejam anulados os votos das bancadas dos seguintes partidos: Partido Progressista – PP, Partido da República – PR e Partido Socialista Brasileiro – PSB, por nítida caracterização do desvio de finalidade, em razão do reconhecimento de inexistência de crime de responsabilidade declarado pelo primeiro partido, configurando a inexistência de motivos e o desvio de finalidade denunciado pela fala dos lideres das respectivas bancadas acima nominadas, conforme anexo, bem como a nulidade dos votos justificados em apologia ao crime.

l) Alternativamente, caso não sejam acolhidos integralmente os pleitos acima formulados, que sejam anulados os votos manifestamente inconstitucionais, de acordo com a fundamentação apontada no decorrer da peça vestibular, precisamente os votos dos deputados: Jair Bolsonaro, Eder Mauro, Hiram Gonçalves, Sergio Morais, Lucas Vergílio, Carlos Melles, Arnaldo Jardim, Marcos Montes, Beto Mansur, Jovair Arantes, José Ronaldo, Rogério Peninha Mendonça, Eduardo Bolsonaro, Vinicius Gurgel, Marcelo Belinati, Gorete Pereira, Fernando Francischini, Mara Gabrili, Paulo Martins, Paulo Pereira da Silva, Tokayama, Marcos Feliciano, Elizeu Dionizio, Alexandre Leite, Mazon Olimpio, Cabo Sabino, Carlos Manato, Laudivio Carvalho, Andres Sanchez, Odorico Monteiro, Ronaldo Nogueira, Josué Bengston, Toninho Wandscheer, Carlos Marun, Júlia Marinho, Nilson Pinto, Ricardo Barros, Wladimir Costa, Diego Garcia, Nelson Meurer, Sandro Alex, Geraldo Resende, Tereza Cristina, Arthur Virgílio Bisneto, Átila Lins, Conceição Sampaio, Silas Câmara, Lucio Mosquini, Nilton Capixaba, Célio Silveira, Daniel Vilela, Delegado Waldir, Fábio Souza, Fábio Souza, Alexandre Serfiotis, Arolde de Oliveira, Aureo            , Cabo Daciolo, Cristiane Brasil, Ezequiel Teixeira, Fernando Jordão, Francisco Floriano, Roberto Sales, Simão Sessim, Soraya Santos, Sóstenes Cavalcante, Evair de Melo, Marcus Vicente, Heráclito Fortes, Antonio Imbassahy, Jerônimo Goergen, José Otávio Germano, Sérgio Moraes, Geovania de Sá, João Rodrigues, Jorge Boeira, Jorginho Mello       , Marco Tebaldi, Delegado Éder Mauro, Hélio Leite, Joaquim Passarinho, Lucas Vergilio, Roberto Balestra, Thiago Peixoto, Izalci, Laerte Bessa, Ronaldo Fonseca, Flaviano Melo, Jéssica Sales, Rocha      PSDB  AC, Carlos Henrique Gaguim        , Professora Dorinha Seabra Rezende, Nilson Leitão, Alex Manente, Bruna Furlan, Duarte Nogueira, Capitão Augusto, Carlos Sampaio, Celso Russomano, Dr. Sinval Malheiros, Duarte Nogueira, Edinho Araújo, Eli Corrêa Filho, Flavinho          PSB     SP, Floriano Pesaro, Gilberto Nascimento    PSC    SP. Goulart            PSD    SP. Herculano Passos PSD   SP, Jefferson Campos           PSD    SP. Jorge Tadeu Mudalen DEM SP. Keiko Ota PSB       SP. Herculano Passos           PSD            SP. Jorge Tadeu Mudalen     DEM    SP. Luiz Lauro Filho, Mara Gabrilli    PSDB            SP. Marcelo Squassoni, Marcio Alvino, Renata Abreu, Ricardo Izar, Ricardo Tripoli            , Roberto Alves, Rodrigo Garcia, Vinicius Carvalho, Juscelino Filho            , Victor Mendes, Ronaldo Martins, Rodrigo Martins, Antônio Jácome, Beto Rosado           , Rogério Marinho, Dâmina Pereira, Diego Andrade, Dimas Fabiano, Eros Biondini, Fábio Ramalho, Franklin Lima, Jaime Martins, Leonardo Quintão, Luiz Fernando Faria, Marcelo Álvaro Antônio, Marcos Montes, Misael Varella, Raquel Muniz, Renzo Braz, Rodrigo de Castro, Stefano Aguiar           , Tenente Lúcio, Zé Silva, Elmar Nascimento           , José Carlos Aleluia, Anderson Ferreira, Eduardo da Fonte, Pastor Eurico, André Moura            , Arthur Lira, Cícero Almeida, Marx Beltrão, Pedro Vilela.


VI - DAS PROVAS

            O autor protesta pela produção de provas documentais.


VII - DO VALOR DA CAUSA

Dá a causa o valor de R$ 10,00 (dez reais).

Termos em que, pede deferimento.

Itapipoca (CE), 22 de Abril de 2016.


Antonio José de Sousa Gomes
OAB/CE 23.968


Caio Santana Mascarenhas Gomes
OAB/CE 17.000

Antônio Emerson Sátiro Bezerra
OAB/CE 18.236

Francisco Scipião da Costa
OAB/CE 23.945
Inocêncio Rodrigues Uchôa
OAB/CE 3.274

Neilianny Carla Vieira Oliveira
OAB/CE 31.164
Maria Rosa de Carvalho Leite Neta
OAB/CE 19.937B

Edna Maria Teixeira
OAB/CE: 22.678












[1] A teoria dos motivos determinantes e a nulidade dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres – [http://emporiododireito.com.br/a-teoria-dos-motivos-determinantes/] – acessado em 18/04/2016.
[2] A teoria dos motivos determinantes e a nulidade dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres – [http://emporiododireito.com.br/a-teoria-dos-motivos-determinantes/] – acessado em 18/04/2016.
[3] A teoria dos motivos determinantes e a nulidade dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres – [http://emporiododireito.com.br/a-teoria-dos-motivos-determinantes/] – acessado em 18/04/2016.
[4] O julgamento dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres– [http://emporiododireito.com.br/julgamento-dos-votos-do-impeachment/] – acessado em 28/04/2016.

[5] O julgamento dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres– [http://emporiododireito.com.br/julgamento-dos-votos-do-impeachment/] – acessado em 28/04/2016.
[6] O julgamento dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres– [http://emporiododireito.com.br/julgamento-dos-votos-do-impeachment/] – acessado em 28/04/2016.
[7] O julgamento dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres– [http://emporiododireito.com.br/julgamento-dos-votos-do-impeachment/] – acessado em 28/04/2016.
[8] O julgamento dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres– [http://emporiododireito.com.br/julgamento-dos-votos-do-impeachment/] – acessado em 28/04/2016."

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